domingo, 22 de março de 2015

Che

Muito embora, eu, você, ou qualquer outro "idiota-útil" não saiba nada; que nada se tenha de sedimentado a esse respeito, seja documental ou por meio de declaração objetiva; da vida de Che Guevara, pouco se sabe. 

Mas que tanto importa o que o "mártir" ou "monstro" seja; que na vida somente tenha feito e falado o mal; que tenha sido o "chancho" (porco), "El loco", ou fascista, nazista, racista; que a imagem que se veicula, face a todo desconhecimento real da personalidade do CHE, em razão da imagem que se o reputa, não faz, ao menos, pensarmos num porquê, senão absurdo, do motivo pelo qual o vilipendiamento de sua imagem importe tanto à dita "direita" política? 

A imagem veiculante de um Che, que apesar de sabidamente esquerdista, comunista, revolucionário, também era homem bom, íntegro, idealista, defensor das classes "oprimidas"; uma pessoa que abriu mão de uma profissão privilegiada (médico), nascido numa família abastada e tradicional da Argentina, a quem nada era exigido além de ser um descendente desta classe privilegiada; abriu mão de tudo o que tinha - da riqueza e da prosperidade certas - para arriscar um golpe, de 24 homens(!), contra um governo de um país, em prol de fato a uma "ideologia" desconfortável. Tudo que se vincula à imagem do Che é bom, ainda que este represente um sistema político que deva ser combatido. Mas para este fim, faz-se necessário que se ataque o que houve de bom neste sistema? Seria como atacar o princípio do "oferecer a outra face", ou a pregação da solidariedade cristã para se tentar acabar com a moral do cristianismo.

Se acaso do Cristo se descobrisse prova cabal de que, nos 30 anos nos quais nada se sabe a respeito da sua vida, ele fora um pedófilo miserável que nada tinha de propósito na vida além de abusar sexualmente de infantes, acaso, a imagem do Cristo se perderia juntamente com o seu ideal? O cristianismo seria destruído e a sua mensagem também? Que o cristianismo perderia além da pessoa do cristo de natureza humana? Nada. Nada além da pessoa por trás do mártir. No entanto, o ideal religioso, escravizador da alma; o pretexto da luta eterna do bem contra o mal; o cabresto que direciona o espírito humano, jamais deixariam de existir.

A imagem de Jesus Cristo e da mesma forma com a de qualquer outro mártir, sequer seria abalada. Pois a imagem do mártir, se destaca da pessoa humana. É a ela que se atribui o caráter divino ou supra-humano e não à pessoa que a simboliza. Ao se criar um mártir, faz-se surgir uma cisão entre a pessoa humana e imagem que se adora. Ao mesmo tempo que o mártir aproxima o ser-humano de Deus, deifica o ser-humano, afastando-o da humanidade; isso se transmuta na "imagem", em si,  que o mártir passa a representar. A pessoa, o agente é humano, a imagem imortal. E esta por sua vez, adquire um caráter próprio em nada presa ao ente humano que a originou. Que Cristo fosse pedófilo e que Che um monstro, não se cessariam a confecção de cruzes ou de camisetas.

Combater a imagem de Che, vilipendiando o Ernesto Guevara de La Cerna, é apedrejar a cruz do cristo, nada mais. Tentar atacar ao Comunismo, desdenhando os seus agentes, ou revirando seus túmulos é inócuo e chega a ser um ato imbecil. Essa sanha da direita em destruir a imagem virtuosa do Che, é tola! É Pífia; suja! Tão suja quanto a esquerda tenta fazer a respeito de ideólogos da direita, atacando às suas pessoas e não as suas ideias. Mas o pior é que nada há de concreto a respeito da reputação de Che que se possa compará-lo em crueldade a Fidel, Marx, Lênin, Stalin, Mao-tsé ou Hitler. Dentre estes, com certeza, mesmo se levando em consideração tão somente os seus atos pérfidos, Ernesto é um virtuoso do bem. Realmente, um santo!

Todas as matérias que consegui encontrar a respeito de Che, não infirmam ou se contrapõe a altura dos seus atos de bondade e desapego. Foi presidente do Banco Central de Cuba, e, no entanto, nunca recebeu um salário sequer para isso. Aliás, doara tudo o que perceberia enquanto investido neste cargo ao regime que o traiu e o matou. Nem um dia após a tomada do poder deixou de trabalhar ao lado da população. Em vez de se firmar no poder ao lado de Fidel trancado em escritórios, preferiu ir trabalhar com a população nas lavouras de cana! Compartilhou com estes tudo o que tinha. Isso, inclusive, essa personificação de um ideal, fez com que o povo de Havana passasse a idolatrá-lo mais que a Fidel. A imagem do Che superou a do "Comandante" cubano.

Se Che não fosse acima de tudo um idealista, por acaso não seria muito mais fácil para este ter permanecido na ilha junto com Fidel? Extremamente exaurido por ser asmático, abriu mão inicialmente da sua origem abastada, e novamente, quando alcançado um objetivo, abriu mão do conforto e do descanso que poderia se julgar merecedor, para novamente vir a se esconder numa mata boliviana, sem comida, medicamento, ou descanso e lá morrer traído por aqueles por que lutava?

Tivesse ficado em Havana, seria medicado adequadamente, e já poderia até mesmo descansar, e qualquer asmático sabe o quanto uma crise asmática é desgastante para a pessoa. Já havia cumprido na vida mais que qualquer outro idealista havia aspirado. Que o ideal não seja exatamente um ideal cristão de justiça, o que quero provar é que Guevara poderia, com toda glória, ficar onde estava e viver bem melhor do que do modo como passara o resto da sua vida. Preferiu voltar a selva, e lutar contra os demônios da sua vida. Devemos saber separar bem as coisas. Uma coisa é odiar ao comunismo e refutá-lo no campo teórico e prático; outro e desprezar o que de bom possa esse regime ou "ideologia política" possa vir a ter.

Se Che tivesse ficado em Cuba, provavelmente estaria vivo até hoje. Mas para Fidel, e para o regime, a sua morte era muito mais importante. Fidel, por vê-lo como uma possível ameaça à sua própria popularidade, posto que Che angariava mais fiéis que o seu articulador e criador. Para o regime, era o mártir necessário a qualquer causa ou ideologia. A criação do mito. E Guevara, então, foi morto na Bolívia, traído. Faminto e abatido em decorrência de um ano de selva somado a ataques cotidianos de asma, contra a qual durante as suas crises o único disponível medicamento utilizado era a injeção de adrenalina, foi morto e fotografado, barbudo e com os cabelos compridos, e com o queixo amarrado, escondendo todas as mazelas, repetindo, assim, a semelhança física e por isso tornado o Cristo do comunismo. Tornou-se mártir para existir além do Ernesto Guevara de La Cerna. E por toda essa soma de motivos, é sim, o mais perfeito símbolo para causa que representa. E a representa bem. pois nela se consolidam não somente o ideal aparente, como o real sentido, somados à traição, ao uso da boa-fé dos seres humanos como meros instrumento para um interesse "maior"; um descartado.

Sequer os comunistas atribuem ao Che a imagem que este mereceria, pois sabem que qualquer um deles nada além de instrumentos para uma finalidade o são. Ao mesmo tempo que ostentam sua imagem em bandeiras, por o terem traído e assassinado, não fazem questão de fazer nada além de usar a sua imagem assim como o utilizaram para a sua causa.